sexta-feira, 30 de julho de 2010

Só quem não gosta de grandes grupos de pessoas a fazer as mesmas coisas ao mesmo tempo é que...



Imagens:O caminho para a aldeia junto ao ashram e vistas a partir da ponte.

Está fresco por aqui. Chove toda a noite e por isso a temperatura desce e os dias ficam razoavelmente frescos. A vida no ashram decorre pacificamente marcada pelos rituais e pelos horários de abertura das cantinas e outros serviços disponíveis. As pessoas circulam, simpáticas, com o esboço de um sorriso nos lábios, mas não encontro aqui um lugar para mim.

O ashram desencoraja o contacto dos residentes estrangeiros com a população autóctone para que não se rompa o tecido social; promove o recolher para dentro dos seus portões por volta das 6.30 e o recolher definitivo as 11h. A castidade é prescrita no recinto do ashram e a modéstia no vestir fortemente aconselhada. E sente-se, ou sinto eu?, um constrangimento entre o povo da vila - pequeno, escuro e colorido - e esta população que por aqui esvoaça alta, espadaúda e vestida de branco (a maioria dos residentes - homens e mulheres acabam por se vestir de branco).

Percebi que tenho dificuldade em acompanhar uma rotina de rezas, cânticos, e "deva"- serviços voluntários, por muito bonitos que sejam, e muito úteis para a comunidade também.

E pequenas coisas, como a dificuldade em saber se existe uma livraria por perto... porque o conceito de livro é restrito aos livros escritos pela Amma... e não se concebe que alguém queira ler outra coisa...deixam-me bastante incómoda.

Mas o impacto desta estrutura no ambiente tem também aspectos visivelmente positivos: ao final da tarde o recinto em volta do templo enche-se de estudantes - muitíssimas rapariguinhas - que estudam nas escolas e universidades aqui ao lado pertencentes ao ashram, e rapazes também. Vêem aqui tomar um chá depois das aulas e ficam a conversar debaixo das palmeiras. O ashram fornece habitação e alimentação gratuita a uma quantidade enorme de jovens. A obra documentada é verdadeiramente fantástica em todos os aspectos.

Só quem não gosta de grandes grupos de pessoas a fazer as mesmas coisas ao mesmo tempo - como eu - é que se pode sentir desconfortável aqui.

De "Beirut" para o ashram da Amma



Imagens de 1: Vista do aeroporto Indira Gandhi terminal 2 voos internos
2, ...: Vistas da janela do quarto no ashram (nota - é proibido tirar fotos dentro do recinto do ashram - só sem ninguém ver...). A ponte que se vê é a de Amritapuri, constriuda pela Amma para ajudar a população das aldeias da peninsula onde se situa o ashram a serem evacuadas no caso de um tsunami como o que destruiu as costas dos estados de Kerala e Tamil Nadu há poucos anos.



Confesso que apanhar um voo interno na Índia me estava a assustar um pouco e que os comboios me pareciam mais seguros e "assentes na terra". Há poucas semanas tinha-se despenhado um avião em Mangalore exactamente no Kerala. E grandes "acidentes" de comboio ultimamente - só na costa Este e por acção terrorista. Mas o terminal interno do aeroporto Indira Gandhi é absolutamente requintado - a organização e o prazer de reencontrar livrarias com fornecimento variado e toda a parafernália de pequenos luxos de que vou prescindir nas próximas semanas arrefeceram os meus medos. Os voos que realizei com a Kingfisher airlines Delhi-Mumbai e Mumbai-Trivandrum - também deixariam a TAP muito mal situada.

E depois a Índia. Pela via das dúvidas comprei bilhete de comboio para Karunagapali a 10km a Sul de Amritapuri (ashram). Mas fui a procura de uma camioneta ali ao lado porque não teria de esperar ainda 3 horas. Os métodos da Cristina funcionam bem e com a ajuda de uma indiana simpática lá me enfiei na camioneta (e perdi as 35 RS do Bilhete do comboio - cerca de 60 cêntimos).

Era uma "daquelas" camionetas que já conhecera no ano passado. Não têm vidros nas janelas e o tempo ameaçava desabar numa tempestade antes do fim da viajem. Mas obviamente os indianos têm soluções, e quando começou a chover a senhora do lado puxou um fole de napa que nos protegeu o suficiente.

A viajem foi longa através aldeias e florestas tropicais, densas, de palmeiras e outras árvores com folhas gigantes - algumas (folhas) calculei que tivessem a minha altura.

Mas cheguei de dia - ainda cedo - para apanhar o rickshaw que me devia levar pela estrada da praia directamente ao ashram - e não gostaria de ter feito aquela estrada de noite. Pescadores a pescar, pescadores a jogar à bola, pescadores sentados a conversar - onde estavam as mulheres? O Kerala é o único estado em que há 50% de mulheres - muito mais do que no resto da Índia - e tem 90% de literacia! Isso notou-se ao longo da viagem de camioneta pelo número de escolas, de estudantes na rua, de anúncios de publicidade sobre educação. Mas ali naquela estradinha junto a água - nada disso.

As primeiras horas no ashram passei-as sentada a ouvir os cânticos no templo e a olhar a paisagem - a recepção estava fechada até às 9pm! Depois lá tive direito a um quarto - partilhado com outra pessoa - uma californiana novinha, estudante, que já seguia a Amma há 15 anos.

O quarto é muito básico mas tem o necessário e uma vista esplendorosa - o ashram fica numa península nas backwaters e uma ponte pedestre liga os edifícios à terra firme. Do quarto avista-se um braço de água que serpenteia entre palmeiras. Garças e outros pássaros coloridos passam mesmo à frente da janela. E no rio pequenos barcos de pescadores. Mas não se avistam aldeias nem casas tal é a densidade da floresta - o céu ameaça e eu não trouxe nada para a chuva - só um pequenino guarda-chuva - muito à maneira indiana. Nunca vi um indiano com gabardina, e aqui chove.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Aterrei em Beirut depois de um bombardeamento!



The Main Bazar - onde se situa o Smyle in (hotel)- é como o nome já pode fazer suspeitar - uma zona pouco sofisticada em que nos melhores dias se cruzam rickshaws, uma multidão de peões, vacas e motoretas - os carros não conseguem penetrar. Foi aqui que aterrei no ano passado, à noitinha, quando pela primeira vez pus o pé na Índia. O impacto do retorno não seria no entanto menor: pareceu-me, na luz crua da manhã, Beirut depois de um bombardeamento. Um deus gigante com unhas de aço tinha arrancado, casa a casa, todas as fachadas, deixando abertas ao olhar de quem passa as entranhas das habitações. Uma infinidade emaranhada de fios eléctricos pendentes decoram o céu e os passeios.

O próprio Smyle in tem três andares em obras e um aspecto de provisório mais indiano que a própria Índia. Já no ano passado me tinha chamado a atenção a forma como as obras e edifícios em geral sugerem sempre uma continuação, nos ferros que se mantêm erectos nos topos dos edifícios, e na falta muito generalizada de reboco e acabamentos. Mas o estado geral de "renovação" acelerada tem uma explicação "à medida" - os jogos olímpicos (ou serão outros?) que se vão realizar a partir de Outubro aqui na Índia. Pelo menos não são os deuses que estão enfurecidos!

Mas cheguei, e a experiência acumulada já me fez perceber que certas comodidades não são de desprezar. Assim, a simpatia do gerente do "hotel" resolveu-me com avanço o problema das reservas de comboio ao longo de quase toda a viagem - alguns já quase completos - tive de me conformar com uma couchete baixinha, num dos casos.

Amanhã vou para o ashram da Ana. Apanho o avião para Trivandrum, no Kerala, no Sul da Índia - depois um comboio até Kayakulam (ou um autocarro)e um rickshaw para o ashram. Fica numa zona magnífica das "backwaters" em que as aldeias estão cercadas de água e muita gente vive e trabalha em pequenos barcos. Não vou meditar muito profundamente, mas sinto uma certa curiosidade de ver por dentro um desses centros espirituais.

PS: redescobri o valor incalculável de um bom livro - pela falta que faz a sua ausência. Falha indesculpável na minha pormenorizada organização! "A viajem do elefante" não prende, e os policiais insípidos que as lojas do aeroporto de Munich forneciam deixaram me 8 horas de um quase vazio. Salvou-me a música do ipod e um ou outro jornal.